Carlos Moore: "Não entrego a ninguém o sonho da dignidade humana"

Carlos Moore. Durante os quatro ou cinco dias em que este etnólogo e cientista político cubano esteve em Luanda, para participar nas comemorações dos 80 anos de Mário Pinto de Andrade, andei numa outra dimensão. Surgiu numa daquelas alturas complicadas, em que pomos em causa todo o nosso trabalho, a sua verdadeira utilidade e capacidade de contribuir para a mudança real que todos queremos.

É raro termos a oportunidade de estar perto de uma dessas figuras que atravessou com grande coerência lutas diferentes e consecutivas - Revolução Cubana, lutas independentistas em África, luta dos negros nos Estados Unidos - e que, perante o fracasso de muitos dos sonhos que as alimentaram, mantêm firmes as suas convicções e ideais. Não por autismo, mas porque ainda hoje consideram ser o correcto. A tal utopia, no fundo, que ainda os fazem denunciar, apontar o dedo, não obstante a ameaça que continua a pairar sobre eles.

A relação de Carlos Moore com Angola é longa. Vem desde 1964, altura em que trabalhou com Savimbi e recebeu um passaporte tunisino que o taxava como angolano. Foi amigo de Viriato da Cruz e de Mário Pinto de Andrade, personagens com quem partilhou o seu próprio exílio, depois da ruptura com o regime de Fidel Castro, em 1963.

Esta entrevista é resultado de horas e horas de conversa. E tem uma imprecisão. Na última página, no final da resposta à pergunta "Mas não ficaram", deve-se ler: "Quando regressei a Havana (fui autorizado a regressar em 1997), antigos militares relataram-me, a chorar, a pilhagem geral e as maldades que tinham cometido aqui". Assumo o erro.

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Nesta entrevista refiro a alegada censura no Festival Internacional de Cinema de Luanda (FIC Luanda), em Novembro do ano passado, por parte do Ministério da Cultura, de "Cuba: Uma Odisseia Africana". Documentário que Carlos Moore também critica, por, no seu entender, passar uma visão enviesada da intervenção cubana em Angola.

Na altura do FIC Luanda, quando entrevistava um alto quadro do Ministério da Cultura, este perguntou-me, num "encostar à parede": "Perante uma situação deste tipo, com um documentário que mente sobre a nossa História, o que é que faria?". Respondi-lhe: "Sou contra todo e qualquer tipo de censura. O que deviam fazer era exibir o documentário e fazer depois do visionamento uma discussão sobre o seu conteúdo, desmontando o que, no vosso entender, há a desmontar, e repondo o que se entende por verdade histórica". Óbvio, não? Até pode se, mas a verdade é que tal não aconteceu, e o documentário foi mesmo banido do cartaz do FIC Luanda, sob o pretexto que não fazia parte do alinhamento do festival (e que tinha ido lá parar por obra e graça do Espírito Santo).

Mas o insólito viria depois: numa atitude que podemos, numa interpretação livre, apelidar de "resistência" à tesourada do Ministério da Cultura, o júri do festival elegeu para melhor documentário... "Cuba: Uma Odisseia Africana", filme que supostamente nem fazia parte do cartaz, segundo a ministra Rosa Cruz e Silva. Os fantasmas são assim: aparecem, apanham-nos com as calças na mão e arrancam de nós um grito estridente ou um pânico silencioso.

Comentários

Pedro,
Passei.
Um abraço

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