Carta aos meus amigos (excertos)




O tecto do meu quarto era perfurado por três buracos, protegidos por um vidro grosso e rugoso. Três entradas de luz cortadas por pesadas e velhas vigas de madeira escuras. Para mim, sempre foram misteriosas, místicas, quase. Por lá entrava a lua e o sol, para lá fugiam os meus olhos.

Todo o espaço cumpria o ideário mexicano. Velhas paredes altas, meias brancas meias amarelas, comidas pela humidade. Dois arcos – um redondo e outro rectangular – e essa luz. O meu refúgio em Querétaro, a minha cidade bipolar.

Lembro-me em particular de uma noite. Deitado na minha cama, senti o corpo dormente e uma energia a tal ponto forte que tive medo. Não sei de onde vinha, para onde me levava. As minhas mãos suavam enquanto os meus olhos se fixavam nessa luz que incidia sobre a minha cama e o meu corpo. O meu coração latia e mil ideias, imagens, pessoas e lugares surgiram na minha cabeza. Tudo rápido, em simultâneo.

Compreendi então alqo que sentía, mas que ainda não tinha racionalizado – essa imensa energia de uma terra que há muito me chamava, mas que acabou por dar-me muito mais do que algum dia pensei ser possível. México.

Não há vivência sem auto-permissão. Muito menos sem contexto e estímulos exteriores. O que vi naquele lugar, as pessoas que conheci, essa tensão dramática que emana de todos os lados e que me comovia sempre até às lágrimas, sem saber bem porquê, despertaram em mim algo muito forte que me empurrou para um precipício emocional invertido. Vertigem que as escuras pedras de Querétaro tão bem simbolizavam, com a sua profundidade de histórias. Que eu sentia como gritos nas madrugadas em que, sem conseguir dormir, caminhava uma e outra vez pelas velhas ruas vazias.

(…)

Assim se passaram meses. Um tempo onírico superior ao real (…). Queria voltar, construir algo num outro contexto. Mas não posso. O meu mundo é feito de tantos e tão longínquos. Como tal, converto esta experiência em algo que me faça crescer. E nada mais (…)

*carta de despedida aos meus amigos mexicanos.

Comentários

Olá, Pedro, vim cá parar por acaso e acabei por gostar do Blog. Para ser mais específico, adorei o estilo com que narra "Carta aos meus amigos (excertos)". Um abraço
Pedro Cardoso disse…
Obrigado. Sabes o mais interessante? É que o último parágrafo desse texto que leio agora depois de muito tempo, graças a ti, acabou por ser uma ratoeira. Ao contrário do que pensava então, é possível voltar sim. Estou a pouco mais de dois meses de ir viver para o México, para essa minha cidade de Querétaro que se tornou a minha prioridade máxima por motivos muito pessoais. Abraço!
Anónimo disse…
Pedro, viva!
Daqui Miguel Carvalho, da Visão.
Precisava falar-te e não tenho nenhum contacto teu. O meu é mbcarvalho@visao.impresa.pt

Um abraço, estejas onde estiveres :-)
Miguel

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