México: Política, traidores e os States
Mexicano gosta de política. E fala dela em voz alta, principalmente no reduto familiar ou entre amigos. Esta forma de convívio, aliás, é também parecida com a nossa. A família tem um papel fundamental, e beber e comer à volta de uma mesa enquanto se discute o Deus e Diabo, a vida dos vizinhos ou as celebridades, é parte fundamental do cardápio.
Mais atrevidos que os angolanos, embora também com alguns cuidados, falam do Partido Revolucionário Institucional (PRI), que esteve uns impressionantes 71 anos seguidos no poder (por isso se fala, por vezes, na mexicanização da política angolana). Discute-se a eleição fraudulenta de Felipe Calderón (teve que assumir a guerra contra o narcotráfico para se credibilizar junto de um eleitorado que o via como uma farsa, dizem alguns), ou da incrível e inédita aliança entre uma formação política super esquerda, o Partido de la Revolución Democrática (PRD), com uma de super direita, o Partido Acción Nacional (PAN, no poder). Ideologias antagónicas postas de parte, com o fim único de derrotar o PRI. Uns a favor, outros contra, todos gritando, animados, os seus argumentos enquanto rolam tacos de tudo e mais alguma coisa, pozoles (espécie de sopa) e sumos de fruta. Porque, atenção, e este é um pormenor que nos distingue, e muito, os mexicanos raramente bebem álcool durante a refeição (!!).
Fala-se também em traidores. Porque, opinião generalizada (no meu círculo de amigos, pelo menos), o mexicano sempre traiu o seu próprio país, edificando-o à lei da bala. A começar pelo mítico e odiado presidente Santa Anna, que no século XIX vendeu uma boa parte do território aos EUA; passando pelos diferentes governos corruptos, e terminando nos próprios narcotraficantes, mexicanos que espalham o terror no seu próprio país, traindo-o assim, mais uma vez.
E de política em política, chega-se também a um assunto inevitável: Estados Unidos da América. O vizinho do norte é amado e odiado, ao mesmo tempo. Se de lá vêm todos os males do México, na opinião de muitos, a começar pelo tal trauma nacional que é grande parte do território original mexicano fazer agora parte dos States, é também da "terra dos sonhos" que vêm grandes influências culturais e comportamentos. Ao ponto de haver uma cultura própria de mexicanos residentes nos EUA, os chamados "chicanos", que gerou movimentos musicais e literários com repercussões na "terra mãe".
Na verdade, a política mexicana em relação aos EUA faz-se de joelhos. Ou não estivesse a economia do México dependente dos “gringos” em mais de 80%. Enquanto isso, esses mesmos gringos constroem um muro ao longo da fronteira comum para conter a emigração ilegal e o trabalho dos “coiotes”, os intermediários que levam às escondidas os mexicanos até ao outro lado da linha a troco de muito kumbu.
Enquanto erguem muros da vergonha, os mesmos States ameaçam intervir em território mexicano caso o governo de Calderón não consiga pôr fim à matança entre narcotraficantes. Palavra de Hillary Clinton a denunciar uma hipocrisia desmedida da administração americana. É que o tráfico no México é quase totalmente direccionado para o mercado gringo. Na verdade, o que a senhora Clinton e seus conterrâneos deviam perceber é que o descalabro no México é efeito, não causa. Essa, está no seu país, nos jovens que querem viajar na maionese da liamba ("mota", na gíria mexicana) que vem do outro lado da fronteira. Que tal lutar contra isto antes de vir com ameaças irresponsáveis? Hipocrisia chapada.
Apesar destas makas e outras, como as mortes de emigrantes na fronteira norte, muito mexicano torce pela selecção norte-americana no Mundial, e orgulha-se desta relação de interdependência umbilical entre os países (boa parte dos produtos consumidos nos EUA são produzidos no México - mão de obra mais barata, claro está). No fundo, não é mais que uma grande ilusão, uma síndrome de inferioridade do tipo “se estou com os grandes, também sou grande”. Motivo de muitas discussões à volta de cervejas. Faz recordar aquelas fotografias entre um Zé-ninguém ultra sorridente abraçado a uma super estrela com cara de enfado, que só aceita tirar a foto porque é esse "zezinho" quem lhe alimenta a fama.
Mas é precisamente aí que reside a diferença. O México é tudo menos um Zé-ninguém. É um país com mil e uma riquezas, com uma cultura milenar, muito forte, capaz de fazer inveja aos gringos lá do norte, se eles tivessem sensibilidade para tal. Ofuscado pelo poderio dos EUA, este país reduz-se, minimiza-se, encolhe-se, ao mesmo tempo que esporadicamente se agarra à tradição e a um sentimento nacionalista, como o que este ano despertou com toda a força durante a comemoração dos 200 anos da independência e dos 100 anos do início da Revolução (Que independência? Que comemoramos? Independência de Espanha e dependência dos States? A morte por todos os lados?, perguntavam os velhos do Restelo).
Fiquei, no fundo, com a ideia que é um país um pouco perdido, inclusivamente culturalmente. Alterna constantemente entre a super-afirmação e a submissão em relação aos estrangeiros, que são sobrevalorizados, e principalmente ao modelo gringo, que muitos encaram como o ideal, o fashion, o civilizado. Ainda que não o admitam. Contradições que põem o país numa encruzilhada a ser desfeita, para que o México levante voo por si mesmo. Sem a sombra paternalista e oportunista dos norte-americanos.
Aqui, uma música ácida e divertida da grande Susana Zabaleta, sobre esta relação México/EUA. "Los Vecinos".
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