Contar a dor

"Ele emocionou-se a meio da entrevista. Teve de parar, desligar a máquina que registava aquele relato trágico. Era a filha de um cantor popular que contava como tinha sido dramático na vida daquela família terem assassinado o pai, crescer a ouvir barbaridades e terem de se defender, das mentiras e da memória do pai. Um grande cantor cujos temas enchem a boca de tantos intérpretes, inflamam o orgulho de tanto angolano para afinal ter sido morto na febre violenta de Maio de 77. Ela desfiava aquela estória e a raiva já esbatida ainda fazia mais impressão."

Encontrei agora este pequeno texto no "Vida Escrita", da Marta Lança, coincidência pura, depois de ter escrito o post abaixo. É uma representação de um episódio que aconteceu durante a entrevista com a filha de David Zé, que incluí na reportagem "Os filhos do 27 de Maio", publicada este ano, que me custou muitas horas de sono e me deixou emocionalmente de rastos. Foi um dos momentos mais fortes da minha (curta) vida de jornalista. Ouvir aquele testemunho dramático mas contado de forma doce, sobre uma das figuras que, como expliquei no texto anterior, marcou a minha infância, foi explosivo. Não aguentei e desfiz-me perante o olhar silencioso e surpreendido de Deolinda...

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