Por quem os tambores chamam

Escravos Ngolas, Benguelas, Congos e Nganguelas chegaram ao Uruguai a partir do século XVII. Com outros africanos cativos, criaram um ritmo que ainda hoje agita as ruas da capital Montevideu. Deram-lhe um nome kimbundo: candombe. História desconhecida dos povos de Angola no outro lado do grande oceano.


© Andrés Cuenca/ acuenca.com

Ta-ta-ta, tata! Ta-ta-ta, tata..." O som seco de um batuque ecoa nas ruas de fim de tarde do Barrio Sur de Montevideu. Um homem sentado à soleira da porta de um casarão velho deste antigo bairro de escravos africanos, marca o ritmo com uma baqueta, no costado de madeira do seu tambor solitário. "Ta-ta-ta, tata..."

A rua está deserta mas o silêncio está por acabar.  A resposta logo vem, de longe: " Ta-ta-ta, tata!!". De outro norte do bairro, grita mais um batuque. E outro. E mais outro ainda: "Ta-ta-ta, tata!!". 

Tambores em crescendo. Os vizinhos debruçam-se sobre janelas e varandas. Todos sabem: começou a llamada (chamada). E, mais tarde ou mais cedo, o velho solitário sentado à porta da sua casa estará rodeado de tamborileros (percussionistas) vindos de todos os lados. Convocados pelo batuque que ecoou no silêncio do Barrio Sur, reúnem-se em batidas diferentes que se entrelaçam num ritmo único.

© Andrés Cuenca/ acuenca.com
É o candombe, senhores!", anuncia Lalo Baraibar à Austral, numa entrevista telefónica a partir de Montevideu. Apaixonado por esta tradição de raiz africana, conta: "candombe é isso mesmo: quando uma, duas, três pessoas começam a tocar os tambores e começam a chegar mais tamborileros das ruas vizinhas.  Juntam-se de forma espontânea, no que conhecemos como llamadas". Desta forma, cumprem-se mais de 200 anos de tradição, que começou bem lá atrás, no tempo dos escravos.

Batucada de areia

Montevideu transformou-se num porto negreiro  a partir da segunda metade do século XVIII. À capital da então chamada "Banda Oriental" chegaram, entre 1752 e 1843, de 50 a 60 mil africanos, conta o académico Oscar Montaño ao portal "Multicuralismo en Uruguay".

Congos, Ngolas, Benguelas, também Nganguelas, Quissamas, Cabindas, entre outros,  enchiam o porto na boca do Rio del Plata. A maior parte esperava novo embarque para Buenos Aires, Peru ou Bolívia. Os que ficaram por Montevideu foram poucos, mas suficientes para transfigurar a cidade. Em 1790, conta o historiador Poncio Torrado em "La Esclavitud en Uruguay", somavam já cerca de cinco mil, mais de metade da população da cidade colonial.

© Candombe TV/Maxi López (www.candombe.tv)
A partir de 1760, ano em que os escravos passaram a gozar de uma inédita folga aos domingos, os baldios de areia junto à muralha de Montevideu transformaram-se em terra ritual. Ao sair da casa dos seus "amos", os africanos convocavam-se uns aos outros ao som de batuques, que ecoavam pelas ruas da cidade. Descreve o cronista da época Isidoro de María, citado pelo Portal Candombe, que "cabindas, benguelas [...] reuniam-se para os seus cantos e bailes, entoando os seus cadenciados yé yé, yé, Calunga yé, eeé llumbá".

Com o passar do tempo, os diferentes toques de batuque dos africanos em Montevideu acabariam por fundir-se num toque colectivo ao qual se chamou "candombe". Uma palavra que muitos especialistas actuais associam ao termo kimbundo "kandombe" - negrito.  No Portal Candombe, o historiador uruguaio Oscar Montaño apresenta uma hipótese: "é um aporte benguela do povo Ndombe, mais numeroso e notório entre as etnias africanas que chegaram a Montevideu".

Com um nome influenciado pelos povos (hoje) angolanos, o candombe virou força vital entre os africanos cativos. Desde então, os tambores nunca mais se calaram em Montevideu, 


© Andrés Cuenca/ acuenca.com


Salvé Baltazar

À medida que os escravos da cidade se organizavam, as batucadas deixavam a areia das muralhas e passavam a ecoar nas "Salas das Nações", organizações que reuniam africanos da mesma origem.   Ler mais

Parte II - Candombe Universal
Parte III - Que comece o Candombe!

Reportagem originalmente publicada na revista Austral





















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