Por quem os tambores chamam
Escravos Ngolas,
Benguelas, Congos e Nganguelas chegaram ao Uruguai a partir do século XVII. Com
outros africanos cativos, criaram um ritmo que ainda hoje agita as ruas da
capital Montevideu. Deram-lhe um nome kimbundo: candombe. História desconhecida
dos povos de Angola no outro lado do grande oceano.
Ta-ta-ta, tata! Ta-ta-ta, tata..." O som seco de um batuque ecoa nas ruas de fim de tarde do Barrio Sur de Montevideu. Um homem sentado à soleira da porta de um casarão velho deste antigo bairro de escravos africanos, marca o ritmo com uma baqueta, no costado de madeira do seu tambor solitário. "Ta-ta-ta, tata..."
É o candombe, senhores!", anuncia Lalo Baraibar à
Austral, numa entrevista telefónica a partir de Montevideu. Apaixonado por esta
tradição de raiz africana, conta: "candombe é isso mesmo: quando uma,
duas, três pessoas começam a tocar os tambores e começam a chegar mais tamborileros das ruas vizinhas. Juntam-se de forma espontânea, no que
conhecemos como llamadas". Desta
forma, cumprem-se mais de 200 anos de tradição, que começou bem lá atrás, no
tempo dos escravos.
A partir de 1760, ano em que os escravos passaram a gozar de
uma inédita folga aos domingos, os baldios de areia junto à muralha de
Montevideu transformaram-se em terra ritual. Ao sair da casa dos seus
"amos", os africanos convocavam-se uns aos outros ao som de batuques,
que ecoavam pelas ruas da cidade. Descreve o cronista da época Isidoro de
María, citado pelo Portal Candombe, que "cabindas, benguelas [...] reuniam-se para os seus
cantos e bailes, entoando os seus cadenciados yé yé, yé, Calunga yé, eeé
llumbá".
© Andrés Cuenca/ acuenca.com |
Ta-ta-ta, tata! Ta-ta-ta, tata..." O som seco de um batuque ecoa nas ruas de fim de tarde do Barrio Sur de Montevideu. Um homem sentado à soleira da porta de um casarão velho deste antigo bairro de escravos africanos, marca o ritmo com uma baqueta, no costado de madeira do seu tambor solitário. "Ta-ta-ta, tata..."
A rua está deserta mas o silêncio está por acabar. A resposta logo vem, de longe: "
Ta-ta-ta, tata!!". De outro norte do bairro, grita mais um batuque. E
outro. E mais outro ainda: "Ta-ta-ta, tata!!".
Tambores em crescendo.
Os vizinhos debruçam-se sobre janelas e varandas. Todos sabem: começou a llamada (chamada). E, mais tarde ou mais
cedo, o velho solitário sentado à porta da sua casa estará rodeado de tamborileros (percussionistas) vindos de
todos os lados. Convocados pelo batuque que ecoou no silêncio do Barrio Sur,
reúnem-se em batidas diferentes que se entrelaçam num ritmo único.
© Andrés Cuenca/ acuenca.com |
Batucada de areia
Montevideu transformou-se num porto negreiro a partir da segunda metade do século XVIII. À
capital da então chamada "Banda Oriental" chegaram, entre 1752 e 1843,
de 50 a 60 mil africanos, conta o académico Oscar Montaño ao portal
"Multicuralismo en Uruguay".
Congos, Ngolas, Benguelas, também Nganguelas, Quissamas,
Cabindas, entre outros, enchiam o porto
na boca do Rio del Plata. A maior parte esperava novo embarque para Buenos
Aires, Peru ou Bolívia. Os que ficaram por Montevideu foram poucos, mas suficientes
para transfigurar a cidade. Em 1790, conta o historiador Poncio Torrado em "La
Esclavitud en Uruguay", somavam já cerca de cinco mil, mais de metade da
população da cidade colonial.
© Candombe TV/Maxi López (www.candombe.tv) |
Com
o passar do tempo, os diferentes toques de batuque dos africanos em Montevideu
acabariam por fundir-se num toque colectivo ao qual se chamou "candombe".
Uma palavra que muitos especialistas actuais associam ao termo kimbundo
"kandombe" - negrito. No
Portal Candombe, o historiador uruguaio Oscar Montaño apresenta uma hipótese:
"é um aporte benguela do povo Ndombe, mais numeroso e notório entre
as etnias africanas que chegaram a Montevideu".
Com
um nome influenciado pelos povos (hoje) angolanos, o candombe virou força vital
entre os africanos cativos. Desde então, os tambores nunca mais se calaram em
Montevideu,
© Andrés Cuenca/ acuenca.com
Salvé Baltazar
À medida que os escravos da cidade se organizavam, as batucadas deixavam a areia das muralhas e passavam a ecoar nas "Salas das Nações", organizações que reuniam africanos da mesma origem. Ler mais Parte II - Candombe Universal Parte III - Que comece o Candombe! Reportagem originalmente publicada na revista Austral |
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