Salvé Baltazar!

© Candombe TV/Maxi López (www.candombe.tv) 

À medida que os escravos da cidade se organizavam, as batucadas deixaram a areia das muralhas e passaram a ecoar nas "Salas de Nações", organizações que reuniam africanos da mesma origem.  Os encontros davam-se a cada domingo e duravam "até ao cair do sol", conta o cronista Agustin Beraza, citado pelo académico Gustavo Goldman no livro "Candombe". Velas, flores e vestimentas ao estilo europeu faziam parte deste ritual presidido por reis e rainhas eleitos entre os escravos.

Nestas reuniões massivas, recordavam as suas origens, alternando-as com novos elementos captados no contexto em que viviam. Foi assim que desenvolveram um complexo sincretismo religioso que misturava Kalunga e Nzambi com figuras católicas impostas pela Igreja e as suas confrarias. Entre os santos venerados pelos africanos, um deles sintetizava, mais que nenhum outro, a sua condição: São Baltazar, o rei-mago negro.

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A devoção era frenética. Durante a primeira metade do século XIX, Montevideu habituou-se a acordar especialmente ofegante, sempre que o calendário marcava 6 de Janeiro. A cada dia dos Reis, milhares de africanos invadiam religiosamente as ruas da capital uruguaia em frenética batucada em honra a São Baltazar. O candombe vivia o seu apogeu.

As cerimónias começavam "quase com a alva, com o soar dos tambores nas salas Mina, Congo, Angola e Banguela ", conta o jornal El Ferro-carril em 6 de Janeiro de 1882, num artigo reproduzido por Gustavo Goldman em "Candombe". Às "8 ou 9 da manhã, formava-se uma comitiva encabeçada pelo rei dos Congos ou pelo rei dos Angolas , seguidos por delegados de outras nações", descreve Vicente Rossi em "Cosas de Negros". Este cortejo real saí, então, em visitas de cortesia às autoridades políticas, militares e religiosas de Montevideu.

© Diario La República

Só por volta das 14 horas, os africanos tomavam de assalto os arredores de Montevideu, dando início à verdadeira festa. Ecoavam tambores, "kissanjes, marimbas, apitos" e "um coro de milhares de vozes descomunais", conta o Ferro-carril. Todos participavam, "desde os morenos de cem anos [...] até à negrita pequena ".


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Apesar da força destes festejos, o tempo não corria a favor de São Baltazar. A morte dos anciãos que chegaram como escravos a Montevideu, e a influência do crescente "sector negro crioulo", avesso a "coisas de África", confluiu no fechar de portas das Salas de Nações por finais do século XIX, conta Gustavo Goldman. Com estas organizações, desapareceram também os grandes cortejos do dia dos Reis. Nas primeiros décadas do século XX, o candombe passou a ser uma mero apontamento nos desfiles de carnaval, levado às rua por grupos chamados "comparsas". Terminava, assim, a era dos Reis africanos em Montevideu.
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