O grito de Iraque e Bagdad
É um grito que surge de todos os lados: mais uma vez os bulldozers do Governo Provincial de Luanda estão a demolir, mais que casas, vidas. Desestruturam, desta vez nos bairros Iraque e Bagdad, o dia-a-dia de 15 mil pessoas, segundo as contas da SOS Habitat, organização rejuvenescida com o recente regresso de Luiz Araújo. Tudo deitado por terra, sem aviso prévio, sem - mais grave - qualquer alternativa para quem fica sem tecto.
Os argumentos do outro lado são facilmente rebatíveis, porque incompletos. São casas degradadas, sim senhor; áreas ocupadas clandestinamente que é preciso requalificar, muito bem. Até aqui estamos todos de acordo. Mas são,acima de tudo, casas onde vivem pessoas de carne e osso, excluídas socialmente; pessoas que sentem, que respiram, que sonham, que têm filhos, netos, sobrinhos, amigos, vizinhos, que choram, que riem, pessoas que têm direitos! Angolanos que não podem ser tratados como parasitas por quem tem interesses, muitas vezes inconfessos, no pedaço de chão que ocupam. Há mecanismos para se desalojar as pessoas com dignidade e fazer valer o direito do Estado às terras. Cumpram-se!
Os cenários repetem-se. Há uns meses, filas de desalojados do bairro Benfica, na ilha de Luanda, eram directamente despejadas nos descampados do Zango. Onde ainda hoje permanecem por sua conta e risco. Era angustiante passar pela estrada da ilha, repleta de centenas de populares à espera ao ar livre, durante vários dias, que camiões de areia os fossem buscar. Chegada a hora, lá iam eles, amontoados como entulho no meio de colchões, pedaços de mobílias e sabe-se lá mais o quê. Cruzavam toda a cidade, em caravanas intermináveis escoltadas por batedores, a caminho da nova "casa". Humilhados, atordoados, espezinhados pelo poder que os deveria proteger.
No Iraque e no Bagdad cumpre-se, mais uma vez, uma teoria-verdade: para quem detém o poder, Angola é o seu quintal, onde nós, os que não pertencem ao seu clube, vivemos de favor. A tudo temos que nos submeter silenciosamente, com um sorriso na cara, de preferência, para não estragarmos a fotografia do progresso e desenvolvimento da nossa pujante democracia.
Talvez tudo isto ultrapasse a minha limitada capacidade de compreensão, e por isso não consiga entender as grandes estratégias e urgências da Nação que supostamente justificam estas acções. Mas percebo os medos de quem, sob o pretexto de manter a ordem pública, destaca para o cenário de destruição gratuita forças militares e de intervenção que tentam evitar o que, um dia, poderá ser inevitável. Porque a bomba-relógio social que os nossos governantes tão bem estão a montar com actos deste calibre poderá um dia rebentar nas suas mãos. Nessa altura, as contas serão acertadas de uma maneira que ninguém quer. E pagará o justo pelo pecador. Um link:
http://angonoticias.com/full_headlines.php?id=24528
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