Rebelião africana na Nova Espanha

A história da aldeia de Matoza foi apenas o ponto final de uma rebelião ao estilo epopeia que estremeceu as terras de Veracruz e da Nova Espanha (nome colonial do México), nos finais do século XVI e princípios do século XVII. 




















Os testemunhos da época, como o do padre jesuíta Juan Laurencio, no relato "Campanha contra Yanga", falam de uma insurgência de grandes proporções de "morenos  vindos de Angola e de algumas partes de Etiópia" que "começaram a fugir e a retirar-se numas ásperas serranias ". Evasão que, conta o livro "Cantón de Córdoba", "tomou tal incremento nos finais do século XVI, que chegou a constituir um perigo sério para a sociedade, pelos desmandos que cometiam as tropas de escravos escondidas nos montes". "Desmandos" que incluíam ataques a "estâncias de espanhóis" e a um dos pontos mais que estratégicos da economia da Nova Espanha: a estrada que ligava a Cidade do México ao Porto de Veracruz, onde chegavam as frotas espanholas.

O mentor e líder político desta guerra de guerrilha, conta o padre Juan Laurencio no documento do século XVII, chamava-se Yanga, de quem se dizia que "se não tivesse sido capturado, seria rei na sua terra". Um reino situado, segundo os historiadores actuais, na região do Alto Nilo. "Tinha um corpo airoso e um porte elegante, era de modos belos e afáveis. Era tão respeitado e querido entre os da sua raça que os negros costumavam chamar-lhe, muitas vezes, pai Yanga", relata "Cantón de Córdoba". Durante os 30 anos em que andou a monte e projectou a revolução, Yanga conseguiu agregar à sua causa um número considerável de escravos, índios e europeus foragidos. Eram os chamados "yanguicos".

Yanga começou por instalar o seu quartel-general na vertente oriental do Citlaltépetl, nome indígena do vulcão do Orizaba, o pico mais alto de todo o México, no sudeste do país. Por motivos estratégicos, foi deslocando-se mais para sul, até se fixar nas margens do rio Branco, na base da escarpada e quase inacessível serra Zongólica. Aí, conta "Cantón de Córdoba", Yanga "organizou o seu povoado numa espécie de monarquia" em que ele era o líder político e civil. "Sendo já velho", relata por sua vez o padre Juan Laurencio, "encarregou as coisas da guerra a outro negro de Angola, chamado Francisco de la Matoza", também referenciado em vários documentos como Francisco Angola ou Francisco de la Matiza.

Sangue e Liberdade

O pânico provocado pelos guerrilheiros yanguicos era de tal ordem que o sinal de alarme soou na Cidade do México, a capital da então Nova Espanha. Conta a História que, no início do século XVII, "surgiu o rumor de que os negros iam tentar formar um reino, matando as autoridades europeias e nomeando o seu rei e demais dignatários".

As autoridades coloniais viram-se obrigadas a actuar contra Yanga e  Matoza, nessa época as principais caras dos movimentos de escravos rebeldes. Organizaram, então, uma expedição militar ao território sob influência dos yanguicos, liderada pelo capitão espanhol D. Pedro González de Herrera. A 26 de Janeiro de 1608, segundo o padre Juan Laurencio, ou de 1609, segundo fontes mais actuais, Pedro Herrera começou a marcha, com um "exército de 100 soldados, um número quase igual de aventureiros e 150 índios armados com arcos e flechas, aos quais se juntaram 200 guerreiros espanhóis, mulatos e mestiços", formando um total de 600 homens.

Rio Blanco, Veracruz. Fonte: El Universal



















O único documento que relata a chamada "Campanha contra Yanga" foi escrito pelo padre Juan Laurencio. Palavras e hipérboles do século XVII, comprometidas com o poder espanhol e com o valor então sacrossanto da "evangelização". Conta então o padre jesuíta que os militares começaram, "com o maior silêncio possível", a viagem até ao esconderijo de Yanga e Matoza, perto da actual cidade veracruzana de Omealca. "Caminhando por fora do caminho feito de pântanos e lodaçais", as tropas avançaram durante vários dias ao longo do Rio Branco, até que, no dia 22 de Fevereiro, se detiveram já perto da aldeia dos rebeldes."

Emboscada e Luta Política

A manhã do enfrentamento começou cedo para as tropas do capitão Herrera, com uma missa. Às oito horas, "partiram para dar assalto ao inimigo". Quando as forças espanholas "se acercaram aos pedregulhos" que serviam de proteção aos escravos, os yanguicos, que até ali tinham estado "encobertos e em silêncio", atacaram, "como se fossem um relâmpago", "ao som de batuques". De repente, "começaram a disparar" ininterruptamente lanças com ponta de ferro e "muitas pedras", conta Juan Laurencio. Num movimento rápido", conta o padre, os índios das tropas espanholas reposicionaram-se e subiram pelos flancos", rodeando os yanguicos.


Segundo o jesuíta, durante a batalha, "estando velho", Yanga não "saiu a lutar", sendo substituído "pelo seu capitão de guerra, o negro Francisco de la Matoza". Depois de horas de confronto, os espanhóis entraram na aldeia, "provocando a debandada geral" dos yanguicos, que se refugiaram "na espessura do monte que tinham ali perto", onde "já haviam construído uma outra fortificação ". Nessa altura, continua o padre Juan Laurencio, Yanga "já ia com a sua gente a caminho de outra aldeia", por entre "uma vegetação tão espessa que não se via o céu" e onde não se podiam "pôr de pé, tendo de caminhar de gatas".

Nos dias seguintes, os combates prosseguiram. Depois de vários encontros com as tropas rebeldes, o capitão espanhol acabou por alcançar Yanga e o seu povo. Começava, assim, uma luta política entre os escravos africanos e o então Vice-Rei da Nova Espanha, o Marquês de Salinas Don Luiz de Velasco, para garantir aos yanguicos uma terra onde pudessem viver em liberdade.

Cartaz da peça de teatro "Yanga" (Mulato Teatro)
A aldeia
O sistema de defesa e de logística que Yanga e Matoza formaram para manter a sua rebelião era complexo. Ler mais

San Lorenzo de los Negros, terra livre
A captura de Yanga, ao contrário do que desejavam os espanhóis, não levou à submissão do líder africano. Em vez de se render, o escravo rebelde optou pela via diplomática para garantir a liberdade do seu povo, os yanguicos. Ler mais

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