San Lorenzo de los Negros, terra livre

A captura de Yanga, ao contrário do que desejavam os espanhóis, não levou à submissão do líder africano. Em vez de se render, o escravo rebelde optou pela via diplomática para garantir a liberdade do seu povo, os yanguicos.



Uma carta enviada à Audiência do México em 1610, citada pelo estudo "Nyanga e a controvérsia em torno à sua redução a povoado ", do historiador Gonzalo Aguirre, declarava as "concertações prévias de Yanga". O maior anseio, diz o documento, era a criação de um território onde os yanguicos se pudessem estabelecer, assumindo Yanga e os seus sucessores a governação do território.  

Miguel García, da Universidade Autónoma do México, regista outros aspectos das reivindicações no trabalho "Dois aspectos da escravatura negra em Veracruz".
Acrescenta o académico que os revoltosos "exigiam a liberdade dos negros foragidos antes de 1608" e que declaravam aceitar " unicamente a presença de frades franciscanos" nas suas terras. Por outro lado, em jeito de contrapartida, "comprometiam-se a pagar tributo à Coroa e a entregar qualquer fugitivo das fazendas, em troca de compensação económica" e a apoiar as autoridades coloniais "em caso de ataques externos." Apesar da oposição dos vizinhos espanhóis", e confrontada com "a incapacidade de manter a ordem estabelecida na região", Espanha " acedeu às suas petições".

Num episódio insólito e único na História colonial espanhola, nascia, assim, San Lorenzo de los Negros. Fundada pelos yanguicos, algures entre os anos 1608 e 1631 (há controvérsia entre os historiadores), a aldeia, entretanto rebaptizada de San Lorenzo Cerralvo, seria trasladada em Janeiro de 1655 para uma localização definitiva que ainda hoje ocupa.

Em 1932, San Lorenzo passou a chamar-se, por decisão do então governador do estado de Veracruz, simplesmente Yanga, nome do município do qual hoje é sede. Em jeito de homenagem e reconhecimento ao homem que veio de África para libertar aquelas terras, os habitantes da localidade inscreveram no brasão da cidade a legenda "Yanga, Primeiro Território Livre das Américas".

Já não há negros em Yanga

Nos dias de hoje, a estátua de Yanga domina a praça central da cidade fundada pelo líder africano. "Diz-se que o corpo dele está enterrado num dos cantos desta praça", afirma à Austral Carlos Morales, o presidente da Fundação Yanga, que luta por recuperar e não deixar morrer a memória da luta libertária dos escravos africanos, no século XVII.


O líder africano, conta a História, acabou por ser fuzilado pelos espanhóis numa data perdida entre Setembro de 1618 e Janeiro de 1619, segundo o historiador Miguel García. Face aos contínuos ataques de escravos rebeldes em muitos pontos da região, a Coroa Espanhola ditou as medidas sumárias contra Yanga, que acusavam de estar por trás do reacender da insurgência. Foi por esta altura, conta Carlos Morales, que Francisco de la Matoza, o chefe militar dos yanguicos, "que veio de Angola", decidiu refugiar-se e "fundar a aldeia de Matoza".

O livro "Yanga: el Primer Pueblo Libre de las Américas" conta que, em 1882, "a maioria dos habitantes da aldeia eram negros que viviam em casas com tetos de palma, cercadas de bardas de madeira. Os poucos mestiços que lá se estabeleceram viviam ao redor da praça central, em casas de madeira e telha." Mestiços que foram ganhando espaço e poder, numa luta pela "delimitação das fronteiras e pelo controlo económico da região", testemunha, por sua vez, o livro "Carnaval de Yanga". "Nos finais do século XVIII e princípios do século XIX, San Lorenzo contava com uma população predominantemente afro-mestiça", descreve Carlos Morales.

Com a independência do México, em 1810, a cidade era formada por uma igreja, uma escola e um alambique para destilar aguardente. Segundo um censo da época, ali moravam 714 pessoas. Mas os yanguicos há muito que tinham perdido o poder. Numa conversa com a Austral, Fernando Miranda, director do Museu Regional de Palmillas, no município de Yanga, conta que "com a expulsão dos poucos negros da aldeia para as redondezas, também se acabaram por perder as línguas bantus que prevaleciam nesta zona".


Embora na actualidade a maioria dos habitantes do município já não tenham traços africanos predominantes, os yanguenses (naturais de Yanga) esforçam-se por revitalizar a negritude que está na sua origem. No dia de San Lorenzo, o santo padroeiro da cidade, as ruas agitam-se com um festival conhecido por "Carnaval de Yanga". Nesta cerimónia, que acontece nos primeiros dias de Agosto, os habitantes incorporam personagens negros e recriam o ambiente nos quais, na sua imaginação, Yanga e Francisco de la Matoza viveram.

E há quem leve muito a sério a herança africana. Como Reina Hernández, que conversou com a Austral em frente ao Museu de Palmillas. Com uma criança nos braços, atirou: "Também nós somos africanos e esta minha sobrinha é, também ela, filha de Yanga." "Não há como negar que descendemos dos escravos dos trapiches e dos engenhos de açúcar de Veracruz", acrescenta a mais-velha Berta Cid Lara, tia de Reina.

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