A Memória e a Fábula


Fonte: Wikipedia
As memórias dos tempos dos Acosta são, em Diego, fragmentos soltos. O próprio artista escreveu certa vez: “As minhas recordações de infância são, sobretudo, visuais. Parecem-se com fotografias da minha vida, com intervalos de tempo entre si, e sem ligação imediata umas com as outras”. Como flashes.

No prólogo da biografia “Encontros com Diego Rivera”, o editor Jaime Labastida anota que o artista mexicano tinha “tendência para mitificar cada vez mais” as recordações, à medida que estas “se afastavam no tempo”. Também Guadalupe, filha de Diego, escreve logo na primeira linha desta obra: “O meu pai inventava tudo, todos os dias”.

Não é difícil encontrar a fabulação, exagero ou meias-verdades (conscientes ou não) nas referências de Diego a Inés Acosta, a avó paterna cuja memória assumiu uma importância inesperada nos círculos intelectuais, culturais e até políticos onde o artista se movia.

Certa vez, em entrevista ao fotógrafo Marcel Sternberger, Diego garantiu que Inés provinha diretamente da linhagem de Uriel Acosta, filósofo judeu que nasceu no Porto por volta de 1580, e uma das principais referências do racionalista Baruch Espinoza. “Penso que poderei ter algo a ver [com Uriel]”, atirou para o ar, perante o olhar nada convencido do entrevistador, como se lê no portal biográfico de Sternberger.

Fonte: Cultura Colectiva
Sobre este tipo de episódios, um dos biógrafos do muralista, Patrick Marham, afirma em “Sonhando com os olhos abertos” que Diego “estava muito satisfeito com a sua ancestralidade exótica”, não só portuguesa e judia mas também de outros países europeus. “Isso dava-lhe acesso a uma memória distante de riqueza, uma conexão com a Europa aristocrática da Conquista e uma porção de ousadia militar, distinção intelectual e diferencial Judeu”.

Esta “ancestralidade” pode ter também influído na vida política de Diego, figura importante do Partido Comunista do México e trotskista convicto. Num artigo sem assinatura no portal Marcel Sterneberger Collection, infere-se que tanto Diego como Frida reclamaram a herança judia para “ganhar estatuto e simpatia” no movimento comunista, marcado por personagens judeus como Karl Marx e Leon Trotsky.

Sem saber, em 1935 Diego daria a resposta a estas considerações: “O meu lado judeu é o elemento dominante da minha vida, daqui surgiu a minha simpatia com as massas oprimidas, que motiva todo o meu trabalho”.

Recordações de uma tarde dominical na Alameda Central

Alicia Gojman não acredita que Diego tenha usado as suas raízes para obter crédito político ou cultural. “Ele sentia-se judeu e preocupava-se bastante com a comunidade, sobretudo a partir do momento em que Hitler assumiu o poder e começaram a surgir grupos fascistas e nazis no México”, afirma à NM a investigadora da UNAM. “Neste esforço de denúncia”, reforça, “Diego chegou a publicar um artigo numa revista dos Estados Unidos em que revelava onde estavam os nazis no México, onde tinham as estações de rádio e onde recebiam o material de propaganda”.

Suplício de Mariana de Carvajal.
Fonte: Fac-símile de “El Libro Rojo”, 
“Diego Rivera y la Inquisición – Un puente en el tiempo”.
A relação do pintor com os seus antecedentes judeus e portugueses refletiu-se também a nível artístico. Em “Recordações de uma tarde dominical na Alameda Central”, uma das obras-primas do muralista, Diego plasma a tragédia o suplício de Mariana de Carvajal, um dos símbolos do terror da Inquisição no México.

Mariana era portuguesa e pertencia a uma família de cristãos-novos de Trás-os-Montes que chegou ao México em 1583. Acompanhava Luis de Carvajal, mandatado por Espanha para fundar o Novo Reino de León. Os inquisidores controlaram sempre os seus passos. Em 1590, toda a família foi sentenciada a prisão perpétua por supostamente  praticar em segredo a fé judia. Cinco anos depois, as acusações foram reforçadas e a condenação à fogueira foi imediata.

Dada como “louca”, a jovem Mariana de Carvajal apenas viria a ser condenada em 1601. Em “Sangue Judeu na Nova Espanha”, texto publicado no catálogo da exposição “Diego Rivera e a Inquisição”, a historiadora Ana Carpizo relata: “O tormento consistiu em levá-la pelas ruas da capital da Nova Espanha – montada numa besta, apregoando o seu delito – até chegar ao mercado de San Hipólito, onde a estrangularam com um garrote até romper-lhe o pescoço antes de queimar o corpo”.

Mariana foi assassinada aos 29 anos nos terrenos agora ocupados pela Alameda Central da Cidade do México.

Fonte: m-x.mx.com
O cisma de Diego e Picasso
Foi em Madrid e Paris que Diego começou a forjar o seu estilo.
Ler mais



Comentários

Mensagens populares