A Memória e a Fábula
Fonte: Wikipedia |
No prólogo da biografia “Encontros com Diego Rivera”, o
editor Jaime Labastida anota que o artista mexicano tinha “tendência para
mitificar cada vez mais” as recordações, à medida que estas “se afastavam no
tempo”. Também Guadalupe, filha de Diego, escreve logo na primeira linha desta
obra: “O meu pai inventava tudo, todos os dias”.
Não é difícil encontrar a fabulação, exagero ou
meias-verdades (conscientes ou não) nas referências de Diego a Inés Acosta, a
avó paterna cuja memória assumiu uma importância inesperada nos círculos
intelectuais, culturais e até políticos onde o artista se movia.
Certa vez, em entrevista ao fotógrafo Marcel Sternberger, Diego
garantiu que Inés provinha diretamente da linhagem de Uriel Acosta, filósofo judeu
que nasceu no Porto por volta de 1580, e uma das principais referências do
racionalista Baruch Espinoza. “Penso que poderei ter algo a ver [com Uriel]”,
atirou para o ar, perante o olhar nada convencido do entrevistador, como se lê
no portal biográfico de Sternberger.
Fonte: Cultura Colectiva |
Esta “ancestralidade” pode ter também influído na vida
política de Diego, figura importante do Partido Comunista do México e
trotskista convicto. Num artigo sem assinatura no portal Marcel Sterneberger
Collection, infere-se que tanto Diego como Frida reclamaram a herança judia para
“ganhar estatuto e simpatia” no movimento comunista, marcado por personagens
judeus como Karl Marx e Leon Trotsky.
Sem saber, em 1935 Diego daria a resposta a estas considerações:
“O meu lado judeu é o elemento dominante da minha vida, daqui surgiu a minha
simpatia com as massas oprimidas, que motiva todo o meu trabalho”.
Recordações de uma
tarde dominical na Alameda Central
Alicia Gojman não acredita que Diego tenha usado as suas
raízes para obter crédito político ou cultural. “Ele sentia-se judeu e
preocupava-se bastante com a comunidade, sobretudo a partir do momento em que
Hitler assumiu o poder e começaram a surgir grupos fascistas e nazis no México”,
afirma à NM a investigadora da UNAM. “Neste esforço de denúncia”, reforça,
“Diego chegou a publicar um artigo numa revista dos Estados Unidos em que revelava
onde estavam os nazis no México, onde tinham as estações de rádio e onde recebiam
o material de propaganda”.
Suplício de Mariana de Carvajal. Fonte: Fac-símile de “El Libro Rojo”, “Diego Rivera y la Inquisición – Un puente en el tiempo”. |
Mariana era portuguesa e pertencia a uma família de
cristãos-novos de Trás-os-Montes que chegou ao México em 1583. Acompanhava Luis
de Carvajal, mandatado por Espanha para fundar o Novo Reino de León. Os
inquisidores controlaram sempre os seus passos. Em 1590, toda a família foi
sentenciada a prisão perpétua por supostamente praticar em segredo a fé judia.
Cinco anos depois, as acusações foram reforçadas e a condenação à fogueira foi
imediata.
Dada como “louca”, a jovem Mariana de Carvajal apenas viria
a ser condenada em 1601. Em “Sangue Judeu na Nova Espanha”, texto publicado no
catálogo da exposição “Diego Rivera e a Inquisição”, a historiadora Ana Carpizo relata: “O
tormento consistiu em levá-la pelas ruas da capital da Nova Espanha – montada
numa besta, apregoando o seu delito – até chegar ao mercado de San Hipólito,
onde a estrangularam com um garrote até romper-lhe o pescoço antes de queimar o
corpo”.
Mariana foi assassinada aos 29 anos nos terrenos agora ocupados pela Alameda Central da Cidade do México.
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