Consciência do todo
As viagens que tenho estado a fazer recentemente, por África, estão a despertar em mim algo que não sei ainda bem racionalizar. Uma espécie de forte sentimento de comunidade, mas acima de tudo de uma responsabilidade comum - no rumo que tomámos, na denúncia do que se passa em cada um dos nossos países, nas soluções para nos encontrarmos de vez.
Nada disto se apoia em nenhuma ideologia ou convicção política. São apenas sensações com que vou ficando ao viver determinadas situações, e que se ampliam quando percebo que as grandes questões que afectam cada um dos países são irremediavelmente transversais a todos eles, ainda que diferentes na forma como se evidenciam. Vou usar uma palavra que tem sido distorcida, de tanto e tão mal utilizada - fraternidade. Olhar o outro como um de nós e dar-lhe um abraço porque há uma identidade comum. Uma identificação imediata do tipo "sei o que estás a passar, e estamos juntos nesta luta, que é a mesma... para o que der e vier". É isto que tenho sentido. Naturalmente, como um impulso.
Nada disto é novo - nem empiricamente, nem na teoria. Durante as lutas de libertação, os líderes eram, por definição, pan-africanistas. Um ideal que foi, ele mesmo, combatido e atirado na lama. As independências foram alcançadas. O "depois" é que ficou por fazer. Edificou-se uma mera linha de montagem de Estados fracos, que nem sequer se conseguem encontrar internamente, quanto mais pensar em algo maior. Por isso desconfio muito de ideias como a da criação imediata de uns Estados Unidos de África. Poderá ser um caminho, mas para já é pura demagogia.
E demagogia por uma razão muito simples: estamos todos no mesmo barco mas ainda não nos apercebemos disso. Porque não nos conhecemos ou, pior, em muitos casos não nos queremos conhecer. Como criar uma estrutura política de sucesso, se ela não parte da vontade das pessoas comuns? Aqui em Angola, por exemplo. Não somos africanos "como os outros", somos muito mais evoluídos. "Mas evoluídos em quê?", perguntava-me a coreógrafa Mónica Anapaz, numa entrevista que me deu para a Austral, em que falávamos como esta questão influencia até a dança que se faz por cá.
Estamos muito mais virados para fora - Portugal, Brasil, agora Dubai e China - do que para o nosso próprio continente. Não fazemos a mínima ideia, nem nos interessamos muito, diga-se, sobre o que se passa à nossa volta. Auto-excluímo-nos, o que se reflecte nos encontros entre africanos, em que estamos totalmente à parte das grandes discussões, da troca de informações. O que tem também a ver, claro, com a língua, que nos transforma em cinco pequenos e dispersos enclaves em África. Mas o ser lusófono não justifica tudo, porque nem sequer vejo grandes esforços de aproximação. Apenas de afirmação - faremos o MAIOR CAN em África, teremos o MAIOR aeroporto de África, somos uma POTÊNCIA em África, e por aí adiante... em África.
No fundo, fugimos do nosso próprio espelho, e recorrentemente sagramo-nos com todo o orgulho como os maiores do nada, infelizmente. É ridículo. E apenas demonstra a nossa total ignorância sobre o que se passa noutros países africanos, esses que não são tão "especiais" como nós, usando a adjectivação populista do nosso camarada Presidente. Ficam estes apontamentos. Por África.
Nada disto se apoia em nenhuma ideologia ou convicção política. São apenas sensações com que vou ficando ao viver determinadas situações, e que se ampliam quando percebo que as grandes questões que afectam cada um dos países são irremediavelmente transversais a todos eles, ainda que diferentes na forma como se evidenciam. Vou usar uma palavra que tem sido distorcida, de tanto e tão mal utilizada - fraternidade. Olhar o outro como um de nós e dar-lhe um abraço porque há uma identidade comum. Uma identificação imediata do tipo "sei o que estás a passar, e estamos juntos nesta luta, que é a mesma... para o que der e vier". É isto que tenho sentido. Naturalmente, como um impulso.
Nada disto é novo - nem empiricamente, nem na teoria. Durante as lutas de libertação, os líderes eram, por definição, pan-africanistas. Um ideal que foi, ele mesmo, combatido e atirado na lama. As independências foram alcançadas. O "depois" é que ficou por fazer. Edificou-se uma mera linha de montagem de Estados fracos, que nem sequer se conseguem encontrar internamente, quanto mais pensar em algo maior. Por isso desconfio muito de ideias como a da criação imediata de uns Estados Unidos de África. Poderá ser um caminho, mas para já é pura demagogia.
E demagogia por uma razão muito simples: estamos todos no mesmo barco mas ainda não nos apercebemos disso. Porque não nos conhecemos ou, pior, em muitos casos não nos queremos conhecer. Como criar uma estrutura política de sucesso, se ela não parte da vontade das pessoas comuns? Aqui em Angola, por exemplo. Não somos africanos "como os outros", somos muito mais evoluídos. "Mas evoluídos em quê?", perguntava-me a coreógrafa Mónica Anapaz, numa entrevista que me deu para a Austral, em que falávamos como esta questão influencia até a dança que se faz por cá.
Estamos muito mais virados para fora - Portugal, Brasil, agora Dubai e China - do que para o nosso próprio continente. Não fazemos a mínima ideia, nem nos interessamos muito, diga-se, sobre o que se passa à nossa volta. Auto-excluímo-nos, o que se reflecte nos encontros entre africanos, em que estamos totalmente à parte das grandes discussões, da troca de informações. O que tem também a ver, claro, com a língua, que nos transforma em cinco pequenos e dispersos enclaves em África. Mas o ser lusófono não justifica tudo, porque nem sequer vejo grandes esforços de aproximação. Apenas de afirmação - faremos o MAIOR CAN em África, teremos o MAIOR aeroporto de África, somos uma POTÊNCIA em África, e por aí adiante... em África.
No fundo, fugimos do nosso próprio espelho, e recorrentemente sagramo-nos com todo o orgulho como os maiores do nada, infelizmente. É ridículo. E apenas demonstra a nossa total ignorância sobre o que se passa noutros países africanos, esses que não são tão "especiais" como nós, usando a adjectivação populista do nosso camarada Presidente. Ficam estes apontamentos. Por África.
Comentários
We dont speak portuguese.
Creole
És um gajo porreiro, Pedro.
E eu, sou uma descendente de cabo-verdianos, que fala português, e que escolheu a língua portuguesa para língua de trabalho. Amo essa língua. Não pode ser encoberta por uma interpretação parcial do passado. Não pode ser politizada a esse ponto. If we speak English or French, why don't we speak Portuguese?
Que haja um mínimo de coerência em certas posições que se tomam. Senão, que se assuma a escolha de outras hegemonias, ainda.
Esta lembrou-me um episódio que se passou com um primo meu, um grande defensor do crioulo, a ponto de fazer manifestações a solo junto à porta da AN contra a lusofonia e a favor da oficialização do crioulo.
Uma vez foi chamado ao palco pelo Princezito, em pleno 5tal da musica, como um homem do crioulo e defensor da oficialização da língua materna. O meu primo sobe ao palco, aproxima-se do microfone e retribui os elogios com um "Ok, thanks".
Gargalhada geral... momento hilário.
Justifica: Sou de Mindelo e em S. Vicente muitas expressões inglesas (Man, Boi, Buizin, ect) com o tempo passaram a ser considerados como parte do crioulo da ilha (variante Mindelense).
Penso que extremismos, com o tempo, ou se tornam trágicas ou se tornam cómicas.