A hipnose e o absurdo
“África Hipnótica”. É a lista do meu i-pod que ouço em repeat em todas as viagens de avião. Dessas em que cruzo o continente. Voos a muitos mil pés de altitude, norte, sul, oeste, leste, luz de sol, luz de lua, luz cintilante das pontas das asas. Luz – sempre mais rápida - sobre África, Ela.
No ar artificial e na penumbra mergulho num espaço vazio, mas imenso, que incuba uma espécie de fatalidade. Os sons entram-me directamente para o cérebro em forma de ecos e céu nocturno e transformam-me num reactor alucinogénico. Nessa dimensão sinto-A: calma, gigante, potente, frágil, feliz, mortífera, autofágica. E compreendo que, na verdade, Ela permanece absolutamente indiferente à nossa idealização d'Ela mesma. Vista de cima, sem fronteiras, sem nada a não ser território naturalmente contínuo, o absurdo torna-se ainda mais evidente. No fundo, não percebemos nada - nem a nós, nem a Ela, nem o que raio fazemos nós n'Ela. No meu corpo, o ar frio do avião, o cobertor que descai e a luz que se acende a meio da noite. A luz. A luz que se apaga de novo.
Desta anestesia estranha e obscura fica a comoção. Comovo-me sempre. Nesta hipnose corremos juntos para um destino igual. Movemo-nos numa inércia animal perpetuada a força telúrica. Somos terra. Terra fina. Apenas pó.
Comentários
Essa indiferença d'Ela também me incomodou e incomoda ainda hoje. Não a entendo. Ou entendo... mas a verdade é demasiado crua e ancestral, para que eu própria a possa aceitar como justificação para o absurdo da ambígua violência que Ela exerce sobre com quem julgou um dia poder ser por Ela aceite, e foi talvez esmagado pela minada, perpetuamente minada, evidência.
Antes disso, achava que entre mim e ela existia um laço de absoluta irmandade, e descobri que - para Ela - jamais passarei além da condição de uma meia-irmã!
Experiências ainda por explorar, quem sabe...
Sou uma meia-irmã sempre ansiosa por saber aonde poderão levar um dia os caminhos dessa potente lembrança.