Los Cabos Russos
Nas últimas três semanas, mais de 300 russos e ucranianos chegaram a Tijuana, na fronteira do México com os EUA (EFE) |
“Milionários russos escolhem Los Cabos para refugiar-se da invasão à Ucrânia”, titularam com estrondo jornais mexicanos. A guerra lá é derrama económica aqui. Los Cabos é um paraíso natural no extremo sul da península de Baja California, ou só “Baja”. Cara e dolarizada, a região pontilha-se de mansões de luxo de magnatas de todo o mundo e personalidades do espetáculo como George Clooney, Jennifer Aniston ou John Travolta.
No sul da península de Baja California, Los Cabos é um dos lugares mais exclusivos no México (DR) |
Os russos há muito chegaram a esta zona, décadas, com casas de mil recâmaras e investimentos na hotelaria. O destaque vai para “La Datcha”, do milionário russo Oleg Tinkov, que recebe nos seus quartos chefes de Estado, cantores e atores de todo o mundo. Diz-se contra a guerra. “Na Ucrânia, morrem pessoas inocentes todos os dias. É incrível e inaceitável. Putin devia gastar o dinheiro em tratamentos para as pessoas, em investigação para vencer o cancro, e não para a guerra. Estou contra a guerra!”, tuitou o ultra milionário que cobra mais de 30 mil dólares por noite no seu hotel de Los Cabos.
As voltas loucas do mundo atraíram agora a atenção para este ponto do México. Desde que o conflito na Ucrânia rebentou, aumentaram os movimentos notariais para compra de casas na zona, são já mais de 20 famílias russas e também ucranianas à procura de um cantinho exclusivo nestas bandas. Cada vez mais iates de luxo passeiam-se pelas águas do Mar de Cortés e a faturação das lojas das “marcas só para alguns” tem aumentado a rublos vistos. “Eles são 100% luxo (…) Aqui todos são bem-vindos!”, exclama a diretora de Turismo de Los Cabos, Donna Jeffries, à imprensa local.
A precariedade dos refugiados de guerra contrasta com o luxo dos magnatas russos no México (EFE) |
Milionários russos começam a levar iates e investimentos para Los Cabos, no México (DR) |
Os que continuam à espera de resposta montaram um acampamento improvisado. Sentados no chão árido, descrevem à imprensa histórias de fuga de cidades em guerra (os ucranianos) e de perseguição política (os russos).
Segundo as autoridades mexicanas, mais de 300 migrantes russos e ucranianos chegaram a Cancun e à Cidade do México nas últimas três semanas. Daí deram o salto para Tijuana, de carro ou avião. Com longa experiência em crises humanitárias, o governo da cidade fronteiriça já ofereceu albergues aos migrantes europeus.
Pânico e desconfiança
Os movimentos de russos e ucranianos que arrotam lagosta ou mendigam na fronteira chamam a atenção de uma América Latina essencialmente unida contra a guerra, mas que a interpreta à sua maneira, sem ataduras. As conversas de café sobre o tema não raramente mostram estupefacção pela reação de uma Europa “paniqueada” (leia-se em pânico), coletivamente histérica, cegada por um discurso único de “bons e maus” que políticos e jornalistas repetem para ganhar rating. Uma Europa permeável à propaganda, frágil, tremelicante, congelada por um medo nem sabe bem de quê, se de um holocausto nuclear, de uma Terceira Guerra Mundial, ou do aumento do pão e de gasolina. Uma Europa inocente que causa ternura aos latino-americanos, habituados a levar porrada dos EUA: como é possível acreditarem nas boas intenções dos norte-americanos, que lhes impingem armas e gás ao mesmo tempo que lhes afagam a cabeça?
Com discurso mais diplomático, esta também é, em geral, a posição dos governos latino-americanos. Cuba, Venezuela e Nicarágua não condenaram a invasão da Ucrânia, mas todos os restantes países da região que o fizeram não engolem de todo o discurso de Biden e do seu “gabinete Marvel”.
A confirmar a teoria da eterna agenda escondida gringa (que por aqui não é pura fantasia), estão os próprios norte-americanos que deixaram agora o rabo de fora na Venezuela. Depois de anos a baterem no ceguinho Nicolás Maduro, com a bandeira dos direitos humanos em riste e um bloqueio económico devastador, a 5 de março passado enviados especiais de Biden viajaram a Caracas para se reunirem com representantes do governo de Maduro, o mesmo presidente que Washington não reconhece oficialmente, mas que pelos vistos afinal sim, ou tal vez não, quem sabe (por certo, por onde anda Juan Guaidó?). Este “sí pero no” move-se na área nada cinzenta do petróleo, diz-se à boca cheia. Precisam-se urgentemente de fontes adicionais para compensar o eclipse do oil russo. E a Venezuela contém “apenas” as maiores reservas do mundo, capazes de fazer da “irreconciliável” relação entre Washington e Caracas e Caracas e Washington uma bonita história de amizade.
Enquanto esperam por uma decisão sobre pedidos de asilo, os migrantes europeus aguardam em Tijuana em acampamentos improvisados (EFE) |
OS EUA estão a negar os pedidos de asilo de russos que se declaram perseguidos políticos (EFE) |
A Secretaria de Relações Exteriores parou em seco o oportunismo do diplomata. Embora o México se negue a aplicar sanções económicas à Rússia e critique a Europa por enviar armas norte-americanas a outras nações e bloquear o canal RT, o seu posicionamento contra a invasão da Ucrânia é claro. Como a maioria dos países das Nações Unidas, o México votou contra a guerra na resolução do organismo. Apesar de todos os esclarecimentos, espicaçado pela criação do grupo de amizade no Congresso, o embaixador dos EUA no México não ficou calado. Fez eco dos avisos recentes da Casa Branca de que não vai tolerar que a Rússia ganhe influência a sul do Rio Bravo e bradou aos céus com o clássico discurso gringo impositor que causa urticária por aqui: “O Embaixador da Rússia disse que o México e a Rússia eram muito próximos e isso, desculpem-me, nunca pode acontecer, nunca pode acontecer!”
Sem grande diplomacia nem paciência, o presidente mexicano López Obrador mandou todos dar uma volta ao bilhar grande - Comando Norte dos EUA e embaixadores incluídos. “Não somos colónia da Rússia, nem da China nem dos Estados Unidos”. E mais ninguém falou no assunto.
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