A terceira raiz

Afro-descendente mexicano. Fonte: Voz da América
"Trouxeram o meu avô/ Lá num barco negreiro/ Dizem que trazia correntes/ Ai como sofreu esse negro". Tradução livre dos primeiros versos da canção "Mandinga", do grupo peruano Novalima, disco "Afro". Testemunho do passado africano do Perú, para muitos um ponto insuspeito da rota dos escravos.

Mas enquanto em países latino-americanos como o Perú a música e a poesia recordam de forma activa a herança negra, no México o desconhecimento é quase total. E histórias como as de Yanga e de Francisco de la Matoza estão enterradas nos lodaçais de Veracruz e de outros Estados mexicanos como Guerrero e Oaxaca.

Para Carlos Morales, este esquecimento não foi obra do acaso, como explica à Austral o presidente da Fundação Yanga. "Hoje, a história repete-se uma vez mais, com gente que nos rouba as riquezas naturais e nos expulsa das nossas terras. E foi exactamente porque sempre nos tentaram tirar o que é nosso, que surgiram personagens como Yanga ou Matoza. A História do México apaga essas histórias de sublevação para que não reste memória de que é possível enfrentar os poderes instituídos no país". Palavras ácidas.

Realidade ou não, não deixa de ser verdade que os escravos africanos no México sempre foram sinónimo de luta. Na comunicação "A vida dos zimarrones de Veracruz", o historiador da Universidade de Veracruz, Fernando Winfield, afirma que "ao largo dos quase 300 anos de dominação espanhola no México, sucederam-se distintas revoltas de escravos negros [...] que incluíram a fundação de comunidades" chamadas palenques. A partir desses postos de comando, os escravos lutavam "não só pela liberdade, senão também pelo seu direito à terra, à autogestão de governo, à igualdade perante a lei e à honra como indivíduos", afirma Gonzálo Aguirre em "Nyanga e a controvérsia em torno à sua redução a povoado".


Afro-descendentes de Oaxaca. Fonte: Imparcial Oaxaca

Na verdade, a luta de Yanga e Matoza não foi um acontecimento isolado. A partir de 1607, conta o académico Fernando Winfield, ao mesmo tempo que preparavam a investida contra Yanga, os espanhóis também organizavam "campanhas contra negros" na costa do Pacífico, com centro de operações em Acapulco. Já antes, em 1537, nota Antonio Zedillo em "A presença do negro no México e a sua música", "apenas seis anos depois da conquista de Tenochtitlán", na capital azteca sobre a qual se edificou a Cidade do México, "deu-se a primeira matança de escravos africanos". Razão: "temor pela atitude rebelde dos africanos".

Dados insuspeitos

Os vários estudos académicos sobre o tema mostram que Carlos Morales não é o único a defender que a História mexicana se "esqueceu" propositadamente das lutas dos africanos. Antonio Zedillo afirma mesmo que "falar da presença da negritude no México é mencionar uma parte do esquecimento que a História oficial mexicana tem tido em relação a um grupo de seres humanos que [...] deixaram uma marca profunda na evolução sócio-cultural da nação mexicana". Uma influência que, hoje em dia, é conhecida por "Terceira Raiz". E que pressupõe que a composição sociocultural do México actual, para além da fusão de europeus com indígenas mexicanos, também teve uma contribuição importante dos escravos africanos.

Carnaval de Veracruz. Fonte: El Informador
A tal ponto que, segundo o académico Fernando Winfield, "pode-se demonstrar que houve mais africanos em algumas regiões [do actual México], que europeus e índios". Embora a grande generalidade dos mexicanos não o saibam, o México chegou a ser "um dos centros recetores de mão-de-obra africana mais importantes nos séculos XVI e XVII", assegura o historiador Miguel García. Os escravos trabalhavam sobretudo nas explorações de cana-de-açúcar, de gado e nas minas.

Os números demográficos reforçam a ideia. Um levantamento feito por António Zedillo salienta que no século XVI os negros representavam 2% da população do território. No século XIX eram já 10%.

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