O que fazer das palavras?
Falamos e nada. Batemos com a cabeça na parede e nada. Os cães ladram e a caravana passa. E pelo caminho, do alto da nossa ideologia, teoria em estado de decomposição, eles, os que interessam, voltam a suspirar. Sem o saber, talvez, porque já nem olham.
Escrevemos e nada. Da mesma forma o sol se continua a pôr e a se levantar. Com igual exactidão a lua continua a ir, a vir, quarto crescente e decrescente, metade, lua cheia, cheiíssima de verborreias inconsequentes e de bebedeiras que nos matam, pouco a pouco, o sentido do real. Porque o que é custa e dói. E a ficção acaba por ser melhor que a realidade que nos insistem em fazer engolir todos os dias.
Ouvimos e nada. Cheiramos e nada. Vemos e nada. Nada. Porque eles não querem e nos tentam asfixiar e fazer-nos sentir uns zeros à esquerda. Infelizmente pouco mais fazemos que esbracejar. Do alto do nosso pedestal moralista e de barrigas dilatadas atiramos postas. Com riscos, é verdade; com boa vontade, também; mas com pouca sequência. O nosso papel, talvez. O possível, para quem não quer ou não sabe fazer mais.
Temos o povo na boca, mas não o temos connosco. Distanciamo-nos dele, já nem nos reconhecemos como parte dessa massa, fugimos de nós próprios quando ganhamos voz. Perdemo-nos no conceito, trocamos os pés e tropeçamos sempre. Povo. Tiramo-la - a palavra - do bolso, como cartada fatal. E tudo ela justifica – a luta, a inércia; o bem, o mal; o roubo, a generosidade; a morte, a vida. Para, no final, tudo ficar na mesma.
Todos nós, corpos de todos os lados desta luta que já antes de começar era eterna. Sentimos, sim. E quê? Que fazer com tudo isto? Permanecer com os olhos semi-cerrados, a captar flashes que debitamos em discursos homologados pelo que é, para cada um de nós, o “que deve ser”?
Tenho a boca salgada. E os braços em luta de corpo a asfixiar. Por vezes olho em redor e tenho dificuldade em ver, porque a dose soporífera é grande e adormece quem não estiver alerta. O fim último desta estratégia de vitória por cansaço que há quem, bem ou mal, tente continuamente contrariar. Cá de baixo, aquém-barreira de homens armados até aos dentes, olho o centro do poder entrincheirado em seus corredores coloniais e de novo colonialistas. E escrevo. Escrevemos. O possível, o que queremos que seja. Tem que ser, e há que continuar. Mas o que fazer das palavras?
Música do momento: “Gracias a la vida”, Violeta Parra
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